Rotações e Translações

Publicado: 23/10/2014 em Crônicas, Stuff

TerraDizem que a Terra leva um ano pra dar uma volta completa em torno do Sol. Na verdade, são 365 dias ou, para ser mais exato, 365 dias e 6 horas. Se você não se lembra daquela longínqua aula de ciências na escola, é por esse motivo que, a cada 4 anos, temos aquela bizarrice conhecida como ano bissexto. Uma razão a mais para os nascidos em 29 de fevereiro se sentirem deprimidos ou, dependendo se o copo está meio vazio ou meio cheio, especiais.

Da mesma forma, dizem que a Terra leva 24 horas pra girar em torno do seu próprio eixo, espaço de tempo este que nos acostumamos a chamar de dia.

Um dia ótimo é apenas uma voltinha que a Terra deu em torno de si. Da mesma maneira, um dia de merda também é apenas uma voltinha do nosso lindo planetinha azul ao seu próprio redor.

Sim, eu sei. As pessoas andam reclamando demais. E entre essas reclamações em excesso, toda vez que o final de um ano se aproxima, algum observador hiperatento e de astúcia inigualável tem a frase na ponta da língua: “O tempo tá passando depressa, não?”

Os mais engraçadinhos certamente dirão que o tempo passou rápido, mas tão rápido, que se este ano fosse o ano passado ainda estaríamos em março.

Depois de fazer essa piadinha super pertinente e com timing competitivo perfeito, posso dizer que no intervalo desses quase 10 meses completos de 2014 caberiam quase 3 anos inteiros de tantos acontecimentos e reviravoltas dignas de um Pulp Fiction. Você, por outro lado, pode achar que tudo o que se viveu entre o décimo dia que se seguiu após o último solstício de verão do hemisfério sul até o momento atual não daria pra cobrir um mísero e recalcado mês.

Me questionei sobre isso agorinha e é um exercício bastante interessante se você também puder fazer o mesmo:
– Quantas coisas podem acontecer em um ano?
– Quantas coisas legais podem acontecer em um mês?
– Quantas coisas malucas podem acontecer em uma semana?
– Quantas coisas importantes podem acontecer em um dia?
– Quantas coisas extraordinárias podem acontecer em uma hora?
– Quantas coisas transformadoras podem acontecer em apenas um segundo?

Para todas as perguntas, a resposta é uma só: coisa pracaralho.

Um ano leva 365 dias e 6 horas para se completar, isso eu sei. O que eu não sei é o que vai acontecer amanhã, daqui uma semana e, muito menos, daqui um, três, sete, vinte e cinco anos. Pois existe um ensinamento que coloca qualquer dogma religioso no chinelo e só os movimentos de rotação e de translação podem nos fornecer.

Não importa como você esteja agora. Se é por cima, por baixo, à esquerda ou à direita, ou até mesmo deslizando através do caminho do meio. O mundo dá – e sempre vai dar – muitas voltas.

Talvez seja essa a única lei verdadeiramente universal. E dessa lei, sobram apenas 3 opções:
1- Vomitar de enjoo até dizer chega;
2- Espernear e gritar pare-o-mundo-que-eu-quero-descer;
3- Curtir o movimento, seguir o fluxo e fazer a coisa acontecer.

Toda vez que penso nisso, digo a mim mesmo que um dia eu chego lá. Será que esse dia então já está começando?

O fato único e imutável é que coisas acontecem e vão seguir acontecendo. A diferença é o significado que você dá e o que tira de aprendizado de cada uma delas.

Por isso nada melhor que aproveitar esse tempo precioso que você tem aqui mesmo nessa Terra que rodopia milhares de vezes enquanto dá algumas dezenas de voltas em torno do Sol para fazer o que realmente gosta, ir atrás do que realmente quer. Independentemente se você tem 19 ou 90 anos, o tempo de agir vai ser sempre o mesmo: agora.

As oportunidades estão à solta para quem quiser enxergar. O mais legal é que isso não depende do seu chefe, do seu vizinho chato, do seu pai, da sua namorada e muito menos de quem vai ser eleito(a) presidente.

A realidade começa sempre do lado de dentro. E o que se enxerga lá fora, filhão, depende apenas dos olhos de quem está vendo.

Douglas Adams que me perdoe a injúria, mas no fim das contas, o sentido da vida, do universo e tudo mais não é 42. A não ser que 42 signifique “faça valer a pena”.

boom1– Cara! Fodeu!

– O que foi?

– O mundo vai acabar amanhã!

– Sério?

– Muito sério!

– …

– E aí?

– E aí o quê?

– O que você vai fazer?

– Sei lá.

– Sei lá? O mundo vai acabar, porra!

– E daí?

– E daí o caralho! Deu em todos os noticiários! Aquela merda do Hercólubus vai bater com tudo aqui na Terra exatamente às 13h57 de amanhã, hora oficial de Greenwich.

– E eu com isso?

– Você vai morrer, cara! Assim como toda a porra da humanidade!

– Isso já era certo desde que eu nasci.

– Que o filho da puta do Hercólubus vai fazer a Terra virar pó exatamente às 13h57 de amanhã?

– Não. Que eu vou morrer. Assim como toda a humanidade.

– Mas e aí? É amanhã! Com hora certa e tudo!

– Como você sabe?

– Porra! Você é burro ou o quê? Tá confirmado, não tem mais jeito. Tá até na capa do jornal: a porra do Hercólubus vai detonar a Terra exatamente às 13h57 de amanhã!

– Isso eu sei. Mas como você sabe que eu e você vamos morrer também exatamente a essa hora?

– Todo mundo vai!

– E quem morrer hoje? Como faz?

– Foda-se! A gente não vai morrer hoje!

– Quem te garante?

– …

– E se cair um piano na nossa cabeça agora?

– É, a gente morreria agora…

– Não. Isso significaria que a gente tá num desenho do Pernalonga e não ia acontecer porra nenhuma.

– Ô, seu filho da puta! A porra do mundo vai acabar amanhã e você fica aí fazendo piadinha?

– Mas é isso que eu sempre fiz a vida inteira.

– Só que dessa vez você vai morrer amanhã!

– Tá. Mas em todos os outros dias da minha vida quem ia garantir que eu não podia morrer no momento seguinte que eu contasse uma piadinha?

– Mas não morreu, caralho!

– Mas poderia. Ainda mais se contasse uma piadinha pra um psicopata sem senso de humor…

– Ô, porra! O mundo vai acabar amanhã e você ainda insiste em fazer gracinha?

– Melhor que você aí, esperneando igual uma pomba-gira com síndrome de mimimi.

– Porra! O mundo vai acabar amanhã! Já era! Acabou!

– Acabou nada.

– Como assim não acabou? Vai tudo pelos ares às 13h57 de amanhã!

– Então. Mas é só amanhã.

– Porra, seu filho da puta do caralho! Vai tomar no meio do c… Opa, peraí. Onde você vai?

– O mundo não vai acabar amanhã?

– É.

– Amanhã, né?

– Isso. Amanhã.

– Então…

– Então o quê, porra?

– Eu é que não vou desperdiçar meu hoje choramingando o que ainda nem aconteceu com um imbecil que nem você.

Questões Eternas

Publicado: 23/09/2014 em Bom Humor, Contos, Mau Humor

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– E se o que foi de repente fosse de novo ou nunca tivesse sido?

O homem, inconformado, andava de um lado pro outro dentro do quarto exibindo sua Zorba novinha. Questionava a vida, o universo e tudo mais.

– E se deus realmente não existir e tudo isso aqui for um caos sem sentido? Ou pior: e se deus for um gordinho mimado e remelento, e a nossa vida dependa do resultado de um par de dados jogados por aquele par de dedinhos roliços cheios e meleca de nariz?

A mulher apenas o seguia com os olhos.

– E se novos testes com o bóson de Higgs no colisor de hádrons apontar pra teoria do multiverso e tudo isso, a vida, os planetas, as galáxias, simplesmente tudo o que nós somos ou conhecemos, for produto de um mero a acaso e, daqui uns minutinhos, tudo virar pó?

Ela desistiu de acompanhar e começou a fuçar o celular. Ele prosseguia cada vez mais depressa.

– Ainda que o nosso universo seja único e infinito, e se depois do big bang não tivesse sido formado o carbono, nem o oxigênio, o hidrogênio e, com isso, a vida não fosse possível? E se a Terra fosse um pouquinho mais próxima do sol a ponto da gente fritar antes mesmo de começar a existir?

Nem o bocejo incontrolável da mulher fez o homem parar.

– E se o australopithecus não tivesse evoluído até o homo sapiens? Hein? Hein? E se não tivesse alcançado nem o homo erectus?

– Tá bom, Valdemar! “Isso nunca te aconteceu antes!” Agora vê se sossega que eu quero dormir! – decretou a mulher antes de virar para o outro lado e começar a roncar.

***

(texto escrito pro desafio “E Se”, do ‘Escreva um Post Sobre’ lançado no A Vida em Posts, onde eu também escrevo toda sexta)

Os óleos do Seu Manoel

Publicado: 16/09/2014 em Bom Humor, Contos

bigodeSeu Manoel era o dono da mercearia do bairro. Viúvo, simpático e bonachão, era um português atípico. Usava a caneta atrás da orelha, mas não pra fazer conta de cabeça.

Todo mundo desconfiava. Ele não admitia. A realidade é que era apaixonado pela dona Ming, da pastelaria da rua de cima. Ela, por sua vez, quase batia cartão na mercearia do Manoel sempre em busca do óleo pra fritar seu famoso pastel.

O tititi foi aumentando na vizinhança a respeito dos dois até que, numa semana, dona Ming, muito tímida, sumiu da mercearia do seu Manoel.

Daí então os fados tristes de Amália Rodrigues davam o tom do clima do estabelecimento e, Manoel, se debulhando em lágrimas, trabalhava em turno dobrado. As vendas triplicaram, exceto das latas de óleo, que se recusava a vender para outros clientes que não fossem a dona Ming.

Aquele comportamento estranho de Manoel logo ganhou a boca da vizinhança e, um dia, chegou aos ouvidos de dona Ming.

Cheia de ímpeto, a envergonhada chinesa foi até a mercearia e indagou Manoel acerca daquele fato tão estranho.

E ele, não cabendo em si de felicidade por aquela aparição, encheu o peito de coragem e enfim se declarou:

– Eu só tenho óleos pra você.

ESPERA

Publicado: 16/09/2014 em Crônicas, Curtíssimas

ESPERA II

Quem espera, aguarda. Ou anseia.

Para por um momento esperando o momento seguinte. Que dias melhores virão. Que a hora certa ainda há de chegar e trará consigo todas as coisas que se espera realizar. Coisas que se espera fazer. Coisas que se espera viver.

Só que não. A vida não espera. Ela simplesmente acontece.

Nananinanão. O momento também não espera. Ele apenas é. Agora.

Que me perdoe o criador daquele velho bordão, mas quem apenas espera vai sempre continuar apenas esperando.

Se a espera é inevitável, que venha em forma de sonho, de desejo, de plano ou, puramente, de vontade. Que não seja estática e, muito menos, inerte. Que seja, pois, o combustível da ação.

Quem só espera não percebe que o momento já foi. Sorte que, embora não se espere muito por isso, o momento sempre continua sendo.

Porque se espera é futuro, a vida é um presente.

ESCOLHAS

Publicado: 08/09/2014 em Crônicas, Stuff

Silvio-Santos-no-Roletrando-1988A vida é feita de escolhas. Mesmo quando não prestamos atenção, a todo momento escolhemos um caminho a seguir. Seja uma ação simples como apertar o botão do elevador ou até uma decisão enorme de importante.

E o que é uma “decisão enorme de importante”?, você pode me perguntar. Só que eu não posso te responder pelo simples fato de que uma decisão simples pra um pode ser colossal pra outro. E vice-versa. Incluindo apertar o botão do elevador.

Cada segundo é quase como se fosse uma bifurcação – isso quando as possibilidades de caminho não são quase infinitas, o que se une à minha própria teoria dos universos paralelos, mas isso são outros quinhentos.

Das menores às gigantescas, em maior ou menor escala, toda escolha ou decisão é um risco. Fifty-fifty. Podemos ou estar completamente certos como redondamente enganados. Isso, contudo, só dá pra saber depois que a escolha é feita. Mais claro ainda será se essa escolha for bancada, consciente e assumida. Não bancada pros outros, mas pra si próprio. Porque não importa qual decisão seja tomada: todas elas terão suas consequências. Boas, ruins ou neutras? Quem dá o significado é você.

E se após tomar uma decisão – seja um minuto, um dia, um ano, vinte anos depois – você perceber que fez uma cagada abissal?

Bom. Se reconhecer isso de verdade e der o braço a torcer, pelo menos você aprendeu com isso e sabe a coisa certa a fazer. Ainda que certas cagadas sejam recorrentes, quando se toma consciência delas, geralmente é o início do fim.

E não. Não mesmo. Não importa o que te digam: nunca é muito cedo nem tarde demais pra mudar de ideia. Nem de caminho, contanto que a resposta para a pergunta “¿Tiene corazón este camino?” seja “¡Sí señor!”

Só não vale ficar mudando de ideia de 5 em 5 minutos que isso não é “camino con corazón”. É apenas ser chato pracaralho – e isso eu falo com propriedade porque sim, eu já fui chato pracaralho nesse sentido.

No final das contas, como diriam os mestres Pythons, dê um assobio e “Always Look On The Bright Side Of Life”.

sandra annemberg Em política todo mundo é pedra até o dia de virar vidraça. E vice-versa. 

Quem não está lá – tanto quem já esteve e é doido pra voltar quanto quem ainda apenas sonha em subir a rampa – ataca quem está lá. Se não tem argumentos, é só inventar ou aumentar um bafafá que sempre tem maluco de sobra que vai fazer isso ressoar até virar verdade absoluta.

Já quem está lá, a princípio finge que não é com ele e, quando vê a água bater na bunda, faz questão de tentar desmoralizar a bosta que está chegando mais perto fazendo o máximo de barulho para que os malucos que estão a seu lado façam isso ressoar até, é claro, transformar também tudo em verdade absoluta.

Some tudo isso ao fato de quando a bosta que estava mais perto fica em segundo plano na corrida para entrar de volta no orifício governamentanal. Aí é a vez de dar uma rápida trégua em quem está lá pra, enfim, desmoralizar a bosta que está subindo pra, quem sabe, recuperar o lugar ao sol, mesmo que esse lugar seja o topo da privada de um banheiro escuro.

É doentio.

Pena que sempre foi assim e a chance de continuar a ser desse jeito é de 103,4%, segundo todos os institutos de pesquisa – dos mais aos menos confiáveis – com margem de erro de até 0,1357%, como pode confirmar Sandra Annenberg com sua eterna e imutável cara de cu.

Tudo bem que alguns tratam os outros com certa neutralidade, mas ela acaba assim que o tal caminho do meio começa a incomodar.

O negócio é que todos se julgam (ou tentam se fazer parecer) santos e salvadores do mundo ao mesmo tempo em que julgam (ou tentam fazer parecer) os adversários como demônios inexpugnáveis e causadores de todo mal.

Nem uma coisa nem outra, importante dizer.

Se pelo menos alguém ousasse dizer ou propor alguma coisa que o valha…

Tudo bem, isso até acontece, mas acaba ficando em segundo plano diante do lugar-comum pra lá de barulhento do “ou ataco inventando factoides ou me defendo dando evasivas” e ninguém chega na porra de lugar nenhum.

O teatrinho só tem fim quando uma das bostas finalmente é eleita. Caso seja a pedra, ela automaticamente vira a vidraça e, antes mesmo do primeiro ato, já vai levar pedrada de todo lado.

Mas, olha. Quando chegar novembro e a lona do circo de agora finalmente se desarmar, não fica tristinho não: nas próximas eleições começa tuuuuudo de novo. Olha só que legal!

Até lá ainda dá tempo de escolher entre continuar sendo um palhaço inerte aceitando de primeira tudo o que quem grita mais alto diz ou, então, fazer algo efetivamente útil da sua vida ao invés de “ser contra a tudo isso que está aí” e esperar algum governante puro e misericordioso resolver tudo por você.

***

ps: Sim. Sandra Annemberg já foi legal